Querido e odiado, “Estrada 47” segue sendo filme popular sobre a FEB

Um filme sobre brasileiros na II Guerra, que por coincidência eram da Força Expedicionária Brasileira – FEB. Assim poderia ser descrito o “Estrada 47”, que entre os críticos especializados e profissionais é tido como “bom”, com três de cinco estrelas e que internacionalmente, no “Rotten Tomatoes”, empresa americana com críticas de cinema, está no meio da tabela, com 50% gostando e a outra metade achando ruim.

Classificação das críticas do filme, conforme o site especializado “Adoro Cinema”

O filme, de 2013, divide opiniões também entre os telespectadores, com gente gostando ou odiando. Hoje a obra figura entre as produções disponíveis na gigante Netflix, sendo, por isso, o filme mais popular sobre a FEB na atualidade.

Sobre “não gostarem” do filme, Vicente Ferraz, diretor da obra, deu pistas do que pode estar acontecendo. Na opinião dele, o que pode haver é que talvez, para alguns, haja uma quebra de expectativa. Isso porque, possivelmente a pessoa vá assistir ao “Estrada 47” esperando encontrar um filme de guerra, algo que não vai acontecer, pois, não se trata de um filme desse gênero. Nas palavras de Vicente, trata-se mais de um longa sobre brasileiros na II Guerra e sentimentos humanos.

No Netflix , a classificação não é mesmo de guerra e sim de “dramas brasileiros”. Vicente deu essa declaração em entrevista ao Canal de Youtube/Blog “História FM/Leitura ObrigaHistória”, em conversa com o historiador Icles Rodrigues. (Confira a entrevista completa aqui)

Filme já recebeu diversos prêmios, como mostra a imagem de divulgação

Já sobre o filme e uma suposta realidade que alguns possam querer ver, o diretor é enfático em dizer que não se trata disso, que são situações fictícias, para ter liberdade de explorar o lado humano dos jovens Pracinhas. No caso dos personagens, Vicente conta que teve contato com ex-combatentes e livros, que o ajudaram a formar juízo do pensamento dos soldados. “[O filme] não está dentro do repertório de certo expectador que entra para ver um filme histórico, um filme de guerra ou um filme brasileiro. Teve pessoa que falou assim: ‘esse não é um filme brasileiro’. Pô, se não é um filme brasileiro, de onde que é?”, comentou o diretor.

Inspirações

Uma das principais referências para o filme foi o livro “Mina R’ (Roberto de Mello e Souza), porém, dois outros foram tão essenciais quanto o primeiro: Crônicas da guerra na Itália (Rubem Braga) e Guerra na Surdina (Bóris Schnaiderman).

Na guerra não é como nos filmes

Na mesma entrevista, após fazer breves resumos dos livros citados, Vicente comentou que em conversas com pessoas que estiveram na guerra, as coisas eram bem diferentes das narrativas que aparecem em obras audiovisuais, com bem menos ação do que as produções costumam relatar, com menos heroísmo e martírio e muito mais medo. “É o medo que te salva (…) O medo é diferente de covardia, é outro sentimento”, explica Vicente.

Cartaz de divulgação do filme

Deu trabalho para fazer

O filme foi rodado em 2010, com o primeiro tratamento de roteiro em 2002 e foram oito anos entre conseguir os recursos para a obra e de fato começar a filmá-la. Para isso, aproximadamente 60% dos recursos saíram de fundos públicos, em co-produção também com Portugal e Itália. Além disso, segundo Vicente, nessa época o país tinha uma estabilidade econômica que não encarecia tanto a filmagem na Itália e disse que se fosse hoje, com os valores atuais do Euro, por exemplo, seria um projeto inviável.

Equipe internacional

A equipe foi formada de forma mista, com gente brasileira e de outros países. Como o filme foi filmado no inverno italiano, época em que há poucas produções locais, o diretor pôde contar com profissionais já bastante experientes. “Dois deles haviam ganhado o Oscar [em outros trabalhos]”, explicou.

O fato de a Itália possuir muita gente que coleciona militaria, também ajudou a conseguir equipamentos para o filme. Os uniformes contaram com gente pesquisando no Brasil e na Itália. “Foi minucioso esse trabalho de pesquisa”, afirma Vicente.

A idéia inicial era rodar o filme em Gaggio Montano, porque a turma de lá, segundo o diretor, ficou amiga dele. Porém, não conseguiu fazer, pois, a Comissão de Filmes que auxilia em produções no país, não estava funcionando naquela região. Logo, o filme foi gravado em Friuli – Venezia Giulia, já na fronteira com a Áustria, obrigando adaptações, inclusive, na arquitetura, para tornar próxima da região em que a FEB havia lutado.

“Velozes e furiosos” atropelou o Estrada 47

Cartaz americano do filme

O filme estreou primeiro na Itália, tendo tido até uma exibição no Parlamento Italiano. Já no Brasil, Vicente comentou que houve certa dificuldade em distribuir o filme nos cinemas do país. Além disso, saiu na mesma época em que a maioria das salas estava passando “Velozes e Furiosos”. Em algumas cidades, destacou o diretor, havia nove salas exibindo o filme americano e somente uma com o “Estrada 47”, e em apenas um horário. A concentração da distribuição em uma única empresa no país também foi um empecilho.

Para piorar, os custos para divulgar o filme e fazer o lançamento eram muito elevados, fora do orçamento previsto. Assim, o “Estrada” saiu com 50 cópias para exibição e junto com um filme estrangeiro de grandes verbas e distribuições, que foi o Velozes e Furiosos.

O resultado foi que a bilheteria não foi tão boa quanto poderia ter sido. Em compensação, o filme foi vendido para mais de 20 países, com boa aceitação no mercado estrangeiro.

“Estrada 47” comparado com orçamentos de filmes de guerra

Ainda que o “Estrada 47” não seja um filme de guerra, como defendeu o diretor, foi um filme barato, se comparado a outras produções internacionais de 2013 (ano do lançamento do filme) para cá. Conforme o site especializado “Adoro Cinema”, foram investidos R$ 9 milhões para produzir a obra. “Deste valor, o Brasil entra com 60% e Itália (Vedeoro) com Portugal (Stopline) completam o 40% restantes”, explicou o site

Confira o gráfico dos filmes:

Cavalo de guerra, 2012– 66 milhões de dólares (EUA); Terra de Minas, 2014 – 35 milhões de dólares (Dinamarca e Alemanha); Fury (Corações de Ferro), 2015 – 68 milhões de dólares (EUA); Dunkirk, 2017 – 100 milhões de dólares (EUA, Reino Unido, França e Holanda); 1917, 2020 – 90 milhões de dólares (Reino Unido e EUA); Estrada 47 – 3,8 milhões de dólares (Brasil, Itália e Portugal)

Receitas dos filmes

Os investimentos dos filmes foram altos e com uma boa logistíca de distribuição e muitas verbas para divulgação, as receitas e/ou lucros também foram generosos. Confira:

Cavalo de Guerra: US$ 177.584.879

Terra de Minas: US$ 3.212.389

Fury: US$ 211.817.906

Dunkirk – US$ 526,9 milhões

1917 – US$ 249,7 milhões

Estrada 47 – R$ 439.151,77 ou US$ 185.296,10 (conforme anuário brasileiro de cinema)

Cinema nacional não é rico

O “Estrada 47” foi feito graças a recursos estatais. Hoje, os mesmos fundos que ajudaram em 2013, já não são tão altos para outros filmes e tiveram um corte de 43% em relação ao ano passado.

Vicente Ferraz, o diretor do filme (foto do Almanaque Virtual)

Em “projeto de lei apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Poder Legislativo no final de 2019, o setor audiovisual terá um recebimento previsto de R$ 415,3 milhões em 2020, contra os R$ 723,1 milhões do ano anterior. Essa é a menor dotação para o fundo desde 2012, quando R$ 112,36 milhões foram orçados”, retrata notícia do jornal Capital News.

Já notícia do Jornal Folha de São Paulo, esclarece que mesmo com valores dos governos, o dinheiro que pode ser colocado em um filme nacional é muito baixo. “Hoje, o máximo que uma produtora pode captar por filme, somando Fundo Setorial do Audiovisual e aporte privado via Lei do Audiovisual, é R$ 12 milhões. Representa US$ 3 milhões, uma quantia destinada a filmes de baixíssimo orçamento em Hollywood”, ou seja, nem com recursos públicos e privados juntos daria para chegar nas dezenas de milhões de dólares que os filmes do gênero guerra consomem. (Leia a matéria completa da Folha sobre o cinena nacional, aqui)

E qual empresário estaria disposto a arriscar em um filme nacional os outros milhões necessários? Quem será o financiador do próximo filme da FEB? Quantos milhões serão disponibilizados?

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