Pracinha que tirou foto famosa com prisioneiro, foi assassinado no RJ

A icônica foto do segundo sargento Oscar Cardoso Garcez, com prisioneiro alemão bastante condecorado, entrou para a história da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Ela foi publicada no dia 5 de maio de 1945, no jornal “A noite” e ele próprio foi quem a enviou ao jornal.
Conforme fontes consultadas, o alemão seria um Unteroffizier (sargento), portador de Eisernes Kreuz 1ª e 2ª Classe (Cruz de Ferro por atos de bravura em batalha), Infanterie-Sturmabzeichen (Distintivo de Infantari de Assalto) e uma Verwundetenabzeichen (Woundbadge, de ferido em combate).
Já Garcez, era paranaense de nascimento e morava no Rio de Janeiro desde que se apresentara na Força Expedicionária Brasileira – FEB. Segundo o jornalista e colunista Austregesilo de Athayde, que ficou amigo dele por meio de troca de cartas, Oscar tinha interesse em ir para a guerra bem antes de o Brasil entrar em estado de beligerância. Os dois trocavam cartas e Oscar elogiava os Aliados. Fazia isso de sua fazenda no Paraná, propriedade que herdara da família e onde morava com a mãe. Não conseguimos localizar de qual cidade paranaense teria saído o jovem.
Indo para a guerra
Em 1943, Oscar apresentou-se como voluntário para FEB. Foi nessa época que se transferiu para o Rio de Janeiro, embarcando com o 1º Regimento de Infantaria, em 1944. Por isso, seu nome não consta entre os soldados do Paraná enviados para a Itália, pois, ele partiu como engajado carioca.
Pelas cartas que escreveu para a madrinha de guerra, de nome Sandra (uma desconhecida que lhe escrevia, como parte de um programa do governo para aumentar a moral dos soldados), Garcez esteve na tomada de Monte Castello.
Porém, no mês anterior à Monte Castello, em outra carta publicada em jornais, no mês de janeiro de 1945, Oscar relatava o cotidiano dele até ali, em um texto claramente censurado e adaptado para ser também propaganda de guerra:
“Teatro de operações italiano, 4 de dezembro de 1944
Querida Sandra, felicidades. As duas mensagens através do ‘Globo Expedicionário’, eu as li em pleno desenvolvimento da peleja. Reclama cartas e, no entanto, mais de uma dezena já lhe enviei. Na última, dizia eu que no meu jipe, capacete, binóculo e lanterna está escrito seu nome: ‘Sandra’. Aliás, tem dado uma sorte incrível! Continuamos progredindo, sempre para onde nos indica a agulha magnética: Norte. Tenho visto muita bravura. Os homens que chegam, lutam e vencem.
Não posso exprimir o valor, a coragem e moral da nossa tropa. A verdade é que temos lutado de verdade e em condições topográficas e meteorológicas desfavoráveis. Todos lutam enfrentando o mesmo perigo: soldados, sargentos e capitães. Existem homens que desempenham sua função e auxiliam outros que necessitam.
O capitão Osvaldo Varejão é um deles. Moço fino, quando no Brasil era diretor de atletismo do Vasco, e aqui é um guerreiro perfeito. Eu o vi, nas horas duras de combate, animar e estimular soldados, carregar através de zona batida por morteiros e artilharia, munição para a linha de frente. O meu pelotão, cognominado “O corpo nada vale”, tem brilhado, feito o impossível, desdobrando-se numa coragem férrea! Graças a Deus, não conhecemos o temor. Não seria possível exército algum do mundo fazer mais. No fragor da batalha o major americano julgava-me oficial, pois, não uso divisas. Recebi parabéns de meus superiores e colegas. Do local onde observava, o inimigo um dia e uma noite disparou de morteiro e canhão sem cessar; tudo foi arrasado, menos nossa coragem, fé em Deus e o nosso corpo. Até de metralha atiraram, mas Deus é grande e deu-me iniciativa e à nossa tropa, a vitória.
Vi prisioneiros covardemente chorando e rezando. Vi correr o tão falado sangue ariano. Vi o quanto somos valentes. Se morrer, algum dia saberá, por alguém da minha companhia, os detalhes. Já tive a sensação de ter ouvido alguém dizer-me: ‘Garcez, você foi um herói!’. Estas foram as palavras de um sargento amigo, José Fortunato. Minha cara, só sei que senti lágrimas pelas faces. Emoção, nada de medo!
Devo render as minhas homenagens ao meu soldado Giovanello Rizzo. Ao meu Major Uzeda, um ‘crânio’, um perfeito condutor! (…) Sandra, fala-me mais intimamente de você, sim? Eu, já sabe, até 5 de outubro de 1942 vivia tranquilo e minha fazenda (‘como era verde o meu vale’), agora sou um combatente. Em busca da Vitória, desejo de regressar à pátria, se a morte permitir. Não há de ser nada. Deus há de me ajudar. Cara Sandra, está se aproximando a noite e pretendo aproveitar ainda a luz solar escrever para os meus. Um grande e sincero abraço do afilhado e amigo que procura mais e mais elevar o Brasil”. (Diário da Noite, 08/01/1945, p.10)
Pós-guerra
Oscar conheceu a Sandra, se tornaram amigos e mesmo com ela querendo um romance, ele não estava disposto. Ela escreveu para ele pelos anos posteriores até perto dele ser assassinado. O Pracinha voltou ao Paraná e anos depois, mudou de vez para o Rio de Janeiro, levando com ele a própria mãe e sendo nomeado subdelegado da Polícia Civil em Belford Roxo.
Ele exerceu a função até 1949, quando foi assassinado por outro militar, a quem ele tinha advertido por tentar soltar um preso sob a jurisdição dele. A morte foi em via pública, quando na feira da Rua Rocha Carvalho o Oscar foi surpreendido pelas costas pelo soldado da Aeronáutica, Marcelino Bernardo, que se aproximou sorrateiramente e o esfaqueou pelas costas. O assassino foi cercado por populares, preso pela polícia e levado para a cadeia. Dizia não estar arrependido e que tinha feito o que precisava fazer. Oscar estava com apenas 27 anos de idade.
Os comerciantes conheciam e admiravam Oscar Garcez, tanto que em sinal de luto, todos fecharam as portas pela morte do militar. “À noite, em nossa redação esteve uma comissão de moradores que veio tornar público o sentimento de repulsa que o crime causou a população daquela localidade do Estado do Rio”, publicou o jornal Diário de Notícias de quinta-feira, 3 de março de 1949, um dia depois do crime.
O Brasil perdeu um verdadeiro patriota
Austregesilo de Athayde, que já era famoso no Rio de Janeiro na década de 40, conhecia Garcez desde 1942. Na edição de 20 de novembro de 1944, ele havia publicado uma carta que recebera do amigo servindo na Itália. A Carta dizia: “o Brasil pode e deve orgulhar-se de seus filhos, assim como os brasileiros podem estar tranquilo quanto aos nossos feitos”. Já, outro trecho descrevia que “os vencidos chamam-nos de bons; dado nosso temperamento emotivo e sentimental, sabemos respeitar eles na desgraça e miséria”.
Quando o amigo morreu, Athayde quis deixar registrado uma homenagem:
“Logo que começou a guerra, recebi de um jovem missivista paranaense, numerosas cartas, anunciando o propósito em que estava de alistar-se entre os combatentes da causa democrática. Assinava Oscar Garcez e dizia contar menos de 20 anos. O seu coração vibrava de entusiasmo pela Inglaterra, nos dias mais duros da resistência britânica. De tudo dava parte ao jornalista, lá da sua terra distante e no desejo de comunicar-se com alguém de responsabilidade na orientação do público brasileiro.
Quando decidimos enviar à Europa um corpo Expedicionário, Garcez viajou para o Rio de Janeiro, ansioso para cumprir o voto de bater-se contra os nazistas. Veio ver-me. Era uma criança cheia de idealismo e espontaneidade. Escreveu-me da Itália numerosas cartas, contando os feitos dos seus companheiros e nunca falando de si mesmo. Regressou sargento da FEB, com citações numerosas dos seus chefes e medalhas de mérito.
Acompanhei as dificuldades de sua vida ao retornar às atividades civis e procurei ajudá-lo com a simpatia de que se fizera merecedor, pela inteireza do caráter e extrema correção do seu procedimento cívico.
Vi que o mataram. A vingança de um desalmado cortou a sua nova existência, que tanto prometia de devoção ao Brasil. Sei que todos quantos o conheceram lamentam a perda desse jovem, que podia ser apontado como exemplo das melhores virtudes da Nação a que pertenceu com tanto orgulho e amor”. (Diário de Pernambuco, 08/03/1949, p.4)
O corpo de Garcez foi sepultado no cemitério de Nova Iguaçu. Seus feitos permanecem vivos com a icônica foto que retrata o humor brasileiro frente ao inimigo capturado.
Texto e pesquisa histórica: Helton Costa/Jornalismo de Guerra
Faltou humildade ao prepotente brasileiro. O inimigo estava subjugado e era um soldado condecorado. Merecia respeito. Lamentável.
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