Reportagem mostra que patrimônio da FEB precisa de cuidados, parte 2
O Exército Brasileiro é detentor de vários objetos e documentos que registram a história do país em conflitos e enfrentamentos nacionais/internacionais, em especial da Segunda Guerra Mundial. Por conta das comemorações de 76 anos de final do conflito, no último dia 8 de maio, algumas fragilidades na conservação e divulgação dessa memória, que é coletiva, pois, o exército pertence ao povo, se tornaram mais evidentes.
A discussão já existia e era mais restrita a grupos de pesquisadores, porém, com a internet, questionamentos sobre a forma como estes patrimônios materiais e imateriais vêm sendo cuidados, têm se tornado cada vez mais comuns por parte de civis e entusiastas. Nesta segunda parte, o debate gira em torno dos uniformes históricos da FEB e das postagens em redes sociais do Exército, que constituem parte do patrimônio material-imaterial da FEB. Confira.
Como os uniformes “sumiram” (versão de um veterano)
Assim que a guerra terminou na Itália, os Pracinhas brasileiros foram voltando em escalões para o país. Ao chegar aos quartéis, os que não eram militares foram dispensados. Os uniformes que usaram na campanha foram entregues no Rio de Janeiro. Alguns poucos militares conseguiram levar algo para casa, mas, a maioria não conseguiu. Com o tempo, esses uniformes começaram a sumir dos depósitos, até que, misteriosamente, pegaram fogo. Pelo menos é o que defende o 3º sargento, José Waldir Merçon, que serviu na Bateria de Comando da Artilharia da FEB, no livro “A minha vida”, página 139.
“Entregamos nosso fardamento e ficamos sabendo depois – por meus irmãos que trabalhavam no material bélico em triagem – que nossas roupas formavam duas pirâmides (era o nome que dávamos aos montes de roupas, de utilidades que eram tratadas pela população para o esforço de guerra), da altura de dois edifícios, ao ar livre. Pouco a pouco, foram baixando de altura, pelos freqüentes furtos e quando viram que estavam pequenas e teriam que explicar o fato, simplesmente fizeram duas fogueiras. Os bombeiros tiveram seu exercício e as explicações se simplificaram. Se eu tivesse sabido que nossas preciosas roupas americanas de pelúcia para enfrentar o inverno europeu teriam este fim, só devolveria o cinto, a arma e o capacete de aço”, explicou Merçon.
Uniformes equivocados
Mais de 75 anos depois, ainda hoje alguns milhares de uniformes brasileiros ainda podem ser encontrados em museus e mesmo em coleções particulares. Há também quem prefira comprar uniformes americanos da Segunda Guerra, aproveitando as peças que eram iguais às que os brasileiros usavam e customizando com emblemas da FEB. Os materiais americanos até podem ser encontrados com facilidade em sites de vendas nacionais e internacionais. No entanto, alguns uniformes são mais difíceis de serem encontrados, pois, eram peças nacionais que não foram substituídas na Itália.
Para tentar contornar a falta de materiais originais, as réplicas podem ser uma saída. É isso que o Exército Brasileiro vem tentando fazer para equipar unidades históricas, como as do Rio de Janeiro (de onde saiu o 1º Regimento de Infantaria), de Caçapava (casa do 6º Regimento de Infantaria), de quartéis que tiveram artilharia de campanha, do 9º Batalhão de Engenharia, entre outras. Abaixo, como os uniformes deveriam ser (acervo Cesar Campiani, Dog Of War e Arquivo Nacional), mesmo que fossem feitas réplicas:
No entanto, nem sempre essa substituição dá certo (ver galeria de imagens). Isso porque, sem muita pesquisa de uniformes, cores, tecidos, formas de uso, e mesmos modelos, acabam por se tornar bem diferentes daqueles usados pelos Pracinhas na campanha da Itália, fruto de interpretações erradas do Regulamento de Uniformes do Pessoal do Exército, de março de 1944 (veja aqui). Abaixo, como unidades do Exército têm feito:
Detalhes aparentemente inocentes, mas que desconfiguram os uniformes brasileiros usados no combate ao nazifascismo e que poderiam servir para ensinar as novas gerações sobre os Pracinhas. “A reencenação histórica quando praticada com responsabilidade e despida de vaidade agrega muito porque é a materialização das páginas dos livros e traz o museu até o povo, insere a lembrança ao público leigo. O foco do nosso grupo são as crianças, a memória que eu tenho da minha infância nos desfiles de 7 de setembro é forte e marcante, da concentração de veteranos antes do início, da sua passagem em cima de viaturas, do orgulho que eu tinha pelo Brasil ter lutado na guerra e também porque o outro membro fundador tem um tio-avô expedicionário. Não iremos prover a presença dos bravos, mas iremos figurar na memória dos pequeninos e quem sabe trazer o mesmo orgulho pela nossa história”, explica Maru Tawada Berzotti, do grupo 6º RI – Reencenação Histórica, que reúne 10 membros desde 2007, tendo sido o pioneiro da modalidade no Brasil.

Já Marcelo Bonini, do grupo de reencenação histórica Dogs of War, um dos mais tradicionais do país e que tem até manual para uso de uniformes históricos (veja abaixo), acredita no potencial das reencenações como forma de divulgação e expansão do conhecimento sobre a FEB. “A pesquisa e o trabalho envolvidos na recriação da história tem o potencial de ser utilizado futuramente para o conhecimento do que ocorreu. Levando em consideração que algumas peças originais estão se perdendo por má preservação dentro de museus, ou estão em coleções particulares inacessíveis ao público, o trabalho de reencenadores é, algumas vezes, a única forma de chamar a atenção e de fazer conhecer a história”, explica Marcelo, que com outros 25 colegas, divulga os feitos dos Pracinhas desde 2008. O Dogs of War atua em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Perguntamos no 9º Batalhão de Engenharia de Combate, que inclusive possui um espaço cultural temático sobre a FEB com acervo próprio e recebido de doação de Campo Grande, se eles tinham conhecimento das críticas quanto aos uniformes históricos que usam em reencenações e quem eram os fornecedores dos mesmos, além do valor unitário das peças. Até o momento de fechamento desta reportagem, o Batalhão não havia respondido às perguntas.
Foram feitos contatos por e-mail e por telefone. No único telefone disponível para contato geral na unidade, nos dois dias em que foram feitas ligações para o quartel, não havia quem pudesse passar informações simples sobre o quartel, uma vez que soldados que atenderam a ligação não sabem de “ninguém que possa passar informações” (sic).
Indicação dos reencenadores
Os reencenadores da Dog of War indicaram para a aquisição de réplicas perfeitas da FEB, a CHO Militaria (overlord@chomilitaria.com e Whatsapp (11) 94251-1945) e a Ana Lúcia Fardamentos (analuciafardamentos@gmail.com e Whatsapp (11) 98266-8306). Ainda segundo eles, há material a venda na Internet, mesmo original, porém, requer pesquisa e dinheiro para bancar.
“O meu grupo produz a maior parte dos uniformes, mas é para uso dos membros, não comercializamos a não ser que ocorra uma desistência”, explica Berzotti, que é do grupo 6º RI – Reencenação Histórica.
Mudando de assunto: as publicações nas redes sociais
Outro problema em Organizações Militares – OMs do Exército, são as publicações em redes sociais nas datas históricas da FEB. Nelas, volta e meia as fotos costumam ser postadas com legendas ou locais trocados. Separamos alguns dos erros recentes sobre Monte Castello (21/02) e Montese (14/04). Nem mesmo o setor que deveria orientar os demais quanto aos equívocos, a Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural do Exército – DPHCEX, escapa das “pisadas de bola”. Confira!
Fotos de Rocca Corneta, sempre confundida com Monte Castello (Arq.Nacional e Projeto Old War). Ministério da defesa Embaixada brasileira confundindo Montese com Monte Castello Exército Brasileiro confundindo fotos 13° BIB confundindo Montese com Monte Castello Outra confusão de Monte Castello com Rocca Corneta A própria DPHCEX confundindo Rocca com Monte Castello Rocca no lugar de Monte Castello Rocca no lugar de Monte Castello DPHCEX confundindo a primeira foto (Rocca) com Monte Castello. A segunda está certa.
Perguntamos há uma semana para a DPHCEX: “no caso das publicações da DPHCEX e de outras instituições militares que apresentaram erros de fotografias ou legendas (ou as duas), como é feito o processo de autorização de pesquisa e publicação nas redes sociais? Há uma hierarquia ou cada OM tem sua autonomia?”
Até o fechamento desta reportagem, o órgão público não havia se pronunciado sobre a questão. Quando a resposta chegar, será colocada aqui neste mesmo espaço.
TEXTO DA REPORTAGEM: Helton Costa
Pingback: Exército gastou R$ 6,8 milhões em uniformes históricos; alguns, bastante errados | Jornalismo de Guerra
Excelente matéria, parte 1 e 2 mostram a realidade do acervo da Feb, sou filho de um pracinha e seus objetos permanecem comigo. Todo o acervo deveria estar em um museu central administrado por profissionais especializados e da área.
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Parabéns pelas matérias sobre os uniformes irregulares da FEB e sobre Fotos com legendas erradas, esses dois problemas colaboram para a desinformação do publico em geral, que procura saber mais sobre o assunto FEB. Sempre que posso procuro corrigir, esses equívocos, sobre esses temas esclarecendo-os devidamente, mas nem sempre sou compreendido recebendo fortes criticas…rsrs
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Olá gostaria de saber se há outros entusiastas aqui no Rio Grande do Sul? Possuo um jeep GPW 1942 e fui convidado para o desfile de 7 de setembro e gostaria de fazer um uniforme padrão FEB para meu filho.
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