Após exame de DNA, Pracinha de Pistoia continua sendo um “Soldado Desconhecido”

A identidade dos restos mortais do pracinha brasileiro morto durante a 2ª Guerra Mundial e que estão depositados na comuna italiana de Pistoia continua sendo desconhecida.

Após pesquisa de comparação genética, o biólogo forense Vincenzo Agostini, de Alessandria (Itália) atestou que os restos mortais do “Soldado Desconhecido” não pertencem a Fredolino Chimango, como suspeitavam pelo menos quatro fontes bibliográficas. A versão mais conhecida delas foi publicada pelo coronel Floriano de Lima Brayner, que chegou a ocupar o posto de chefe do Estado-Maior da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Autoridades brasileiras e italianas em torno dos restos mortais do Pracinha de Pistoia, em 1967 (Arquivo Nacional)

Além dele, José Dequech, Waldir Merçon e uma publicação da Associação Brasileira de Imprensa apontavam a mesma possibilidade. Chimango foi morto durante um ataque à localidade de Montese. A comparação genética foi possível graças ao trabalho do jornalista e pesquisador da FEB, Helton Costa, que contou com o auxílio do também jornalista Diego Antonelli.

Para desvendar a dúvida histórica, Costa encontrou sobrinhos de Chimango no Rio Grande do Sul – estado onde ele nasceu. Depois, foi feita a coleta de material genético e o conteúdo foi enviado para a Itália. No Velho Continente,o biólogo italiano Agostini comparou com amostras de DNA do Soldado Desconhecido. Todo o processo, que custou em torno de R$ 2,6 mil, foi patrocinado por uma arrecadação online pública, bancada por 35 apoiadores.

Agostini revelou que tentou entregar o mapeamento do Soldado Desconhecido para as autoridades brasileiras desde 2012. Como nunca teve sucesso, decidiu, em 2019, publicar os dados em uma revista especializada nos Estados Unidos.

Esperança

Existe a possibilidade, contudo, de que o corpo de Chimango esteja no Brasil. Isso porque há, pelo menos, 15 outros corpos de brasileiros mortos pelos soldados de Adolf Hitler que ainda aguardam identificação e permanecem enterrados como desconhecidos no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. “Já que o Chimango não está na Itália, pela lógica, ele está no Brasil e é um dos 15 sem identificação. “Agora cabe ao Estado brasileiro decidir se usa os meios que possui e identifica o soldado, ou se o mantém indigente”, defende Costa.

O relatório oficial da pesquisa foi repassado em cópia, por e-mail, para o Governo Federal via Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEX).“Caso queira, o Exército pode continuar a pesquisa e repetir o exame com outros parentes de Chimango. Passamos às forças militares, inclusive, os contatos dos parentes no Rio Grande do Sul”, explica Antonelli.

Prestação de contas

Após pagar todos os custos da pesquisa, restou um saldo positivo de R$ 236,30 do valor arrecadado. A quantia será doada para a Legião Paranaense do Expedicionário, para auxiliar na digitalização de documentos da FEB, que a entidade está fazendo. Para acessar a prestação de contas completa, clique aqui.

Há formas de identificar todos os desconhecidos

O biólogo Vincenzo Agostini (Foto: Arquivo pessoal do pesquisador)

O exame feito por Vincenzo, comparou o cromossomo Y, que é passado entre os homens de uma mesma família. Se o Governo brasileiro quiser, pode identificar todos os soldados que ainda estão enterrados sem nome, em túmulos do Rio de Janeiro. Seria preciso coletar amostras dos parentes homens, dos combatentes que ainda constam como desaparecidos ou não identificados e, em seguida, dos restos mortais disponíveis no Monumento Nacional aos Mortos na Segunda Guerra Mundial.

Segundo fontes de dentro do Exército, consultadas para esta reportagem, a corporação possui a lista de familiares dos desaparecidos e não identificados, pois, estes constam como beneficiários de pensões, desde o final da Segunda Guerra.

As fichas possuem nome e endereço dos parentes. Em tese, bastaria uma pesquisa nesses arquivos para ver se ainda há parentes que possibilitem a comparação da linhagem masculina, por meio do cromossomo Y, da mesma forma que foi feita na Itália. A coleta de material se dá com um cotonete, saliva ou cera de ouvido.

Há décadas, existem no Brasil dezenas de laboratórios que poderiam fazer a análise, devolvendo a quem defendeu a pátria, o direito mínimo de ter o nome conhecido e escrito na lápide que guarda seus restos mortais, proporcionando dignidade para quem morreu na defesa pela liberdade contra o nazifascismo.

CURIOSIDADE

Quem dizia se tratar do Chimango?

José Dequech, 2º sargento da Cia de Obuses do 11° Regimento de Infantaria, no livro que escreveu em 1985 (Nós estivemos lá), afirmou que de quatro soldados do 11º Regimento de Infantaria desaparecidos em Montese, apenas um não havia sido identificado: Fredolino Chimango.

“Ao tomar conhecimento desse fato, o soldado Waldomiro Antunes de Oliveira, que também viveu o episódio da 7a companhia e hoje reside em Santo Ângelo/RS, diz que: dias antes do ataque, quando eles ainda estavam em Gaggio Montano, o cabo Chimango deixara uma carta que não chegou a ser remetida aos seus familiares em Passo Fundo/RS e que no dia em que o seu amigo tombou, ele esteve no local, ajudou a reunir as partes despedaçada do corpo e não encontrou a placa de identificação. Os restos mortais do cabo Chimango foram transladados para o Monumento Votivo Militar Brasileiro, em Pistóia, onde foi sepultado com as merecidas honras fúnebres, em uma urna gentilmente cedida pelo governo italiano. Já se passaram todos esses anos e ninguém ainda se empenhou em trazê-lo para o Brasil”, escreveu na página 102.

O 3º sargento da Bateria de Comando da Artilharia Divisionária da FEB, Waldir Merçon, no livro “A minha guerra” (1985), página 107, também é categórico em dizer se tratar de Fredolino Chimango o soldado de Montese, enterrado como soldado desconhecido em Pistoia.

No jornal da Associação Brasileira de Imprensa, número 246 de 1995, há menção de que o soldado seria Chimango.

Os jornalistas Diego Antonelli e Helton Costa (Foto: Rodolpho Bowens)

Já a estudiosa do assunto, pesquisadora Adriane Piovezan, no livro “Morrer na guerra: a sociedade diante da morte em combate” (2017), lembrou que já havia homenagens para Chimango na década de 60.

Citando as lembranças do chefe do Estado Maior da FEB, Floriano de Lima Brayner, que dizia que outros dois soldados desaparecidos já tinham sido identificados na região (Rubens Galvão e Júlio Nicolau), Adriane transcreveu o seguinte trecho do livro “Luzes sobre Memórias” (1973, p.111): “o terceiro extraviado, publicado em Boletim da Unidade de 16 de abril de 1945, chamava-se Fredolino Chimango, natural de Passo Fundo, Rio Grande do Sul”.

A autora também observou que Lima Brayner registrou, na mesma obra, página 114, que terra do local em que foi achado o corpo do Soldado Desconhecido, foi levada para a sede do 11° Regimento de Infantaria e entregue ao comando daquela unidade militar, em cerimônia de formatura. Claramente, segundo Lima Brayner, era Fredolino Chimango o morto de Montese e ele tinha esperança de que um dia os restos mortais voltassem ao Brasil.

O conteúdo do livro não é muito diferente do que o próprio Lima Brayner publicou em artigo de opinião em 16 de abril de 1971. Já Marechal, ele escreveu que havia pesquisado arquivos no Brasil e na Itália, com o apoio do presidente Artur da Costa e Silva (em 1967) e que não havia dúvidas quanto à identidade do morto. Saiu no jornal Diário da Manhã. Nas linhas que escreveu, havia equívocos quanto à Cia de Chimango, porém, ele enfatizou que não era outra pessoa que não o combatente gaúcho.

Por Plural e Redação da Jornalismo de Guerra/V de Vitória

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