II Guerra: o soldado que não foi para o front

Medalha de campanha para quem participou da II Guerra pelo Brasil
Quando fui lançar meu livro sobre o Mato Grosso do Sul na II Guerra Mundial (veja aqui), tomei todo cuidado para convidar todos os meus entrevistados ex-combatentes para aquele dia. Cheguei meia hora mais cedo no local, o anfiteatro da Universidade Federal da Grande Dourados.
Eu arrumava o banner com a capa da publicação, quando vieram me chamar dizendo que tinha chegado um ex-combatente. Fui até lá recebê-lo. Foi aí que tive uma surpresa: ele não tinha ido para a guerra.
Meio sem jeito perguntei o nome dele e em qual regimento ele tinha ido. Veio a resposta:
-Não fui! Eu era Cabo desses meninos daqui que foram, mas não passei no exame do dentista.
Mais que não ter ido, ele queria saber porque eu não tinha colocado ele no livro e ainda me deu bronca porque ele ficou sabendo apenas pelo jornal. Expliquei que só era para quem de fato tinha embarcado para combater os nazi-fascistas na Itália. Ele demorou a entender e não sei se aceitou minhas explicações.
Conforme o evento foi passando e coloquei vídeos da época, prestei atenção que ele ia se emocionando. O ex-Cabo sofria muito por não ter ido, por não ter acompanhado seus “alunos”, como dizia. Fiquei imaginando o conflito interno daquele homem, a angústia por não ter estado lá, de poder ter voltado vitorioso como os alunos.
No final, meu amigo Gonçalo Escolástico (in memoriam), de uma das equipes de metralhadores da FEB, ferido em combate em Monte Castelo e que carregou pelo resto da vida o estilhaço na perna, dava autógrafos nos livros junto comigo. O ex-Cabo se aproximou e o reconheceu, mesmo quase 70 anos depois. Gonçalo também o reconheceu e imediatamente levantou e prestou continência.

O Cabo não pôde ir e nem seguiu carreira militar
-Vocês se conhecem? – perguntei eu.
-Sim, ele foi meu aluno de tiro. Era o soldado número…– respondeu o ex-Cabo falando o número de Gonçalo, que hoje eu nem lembro mais qual era.
-Ele era bravo! – completou Gonçalo com ar sério.
Despediu-se e partiu. Nunca mais o vi e não sinto culpa por não ter falado da história dele no livro, apenas, fiquei com a imagem de arrependimento a que ele carregava no olhar. A história é feita pelo que aconteceu e não pelo que poderia ter acontecido. Colegas historiadores sempre me dizem que a História não aceita o “E se”, e acho que isso é verdade. O antigo Cabo ficou até o final. Foi um dos últimos a deixar o prédio. Talvez soubesse que ali era o passado, a juventude que ia ficando para trás com o aluno Gonçalo e com a história de tantos outros que ele tinha ajudado a treinar. Mas ele não tinha ido, carregava consigo esse peso, isso era fato. (Helton Costa)