Para ler: discurso completo de rompimento do Brasil com o Eixo em 1942
“As conquistas desta Conferência não as poderão apreciar os contemporâneos. As grandes obras só podem ser bem compreendidas quando o tempo dá à inteligência a sua perspectiva divina e a sua eterna luz. Desde já, porém, podemos afirmar que transformamos uma utopia em realidade, e que já esplendem, realizados cm sua plenitude, o anseio, o sonho e o ideal de nossos maiores.
A paz dos povos e a união das nações na Ásia, na África e na Europa é a história mesma de uma sucessão trágica de fracassos e de esforços vãos dos homens, em séculos de porfia, de desenganos e de conflitos.
Os povos americanos a realizaram e nós, seus chanceleres, a confirmarmos hoje, porque proscrevemos da comunhão continental a violência, o império, o predomínio afim de dar lugar a confiança, à solidariedade e à justiça, colunas sobre as quais repousam a igualdade das nações americanas, a independência de seus povos e a liberdade de todos nós, cidadãos da América.
Em meio século apenas de panamericanismo e em dez dias de nossas conversações, escrevemos, os povos americanos, nos anais da História humana, o que em dois milênios não puderam sequer esboçar os demais povos.
Não nos reunimos aqui como homens, nem como governos, mas como povos e, por isso. pudemos, em nossas decisões, restabelecer em sua afirmação benfazeja e gloriosa os valores morais que associam as nações americanas contra o obscurantismo alucinado, que ameaça destruir a nossa união, conspurcar os nossos direitos e violentar a fraternidade continental.
Gloriosa é esta Conferência, porque é uma declaração de princípios de honra, de confiança no espírito, de coordenação de todas as energias continentais para a defesa do território geográfico, político e espiritual de todos os americanos.
Discutimos durante dez dias todas as nossas possibilidades e fizemos um balanço supremo das nossas energias e da vitalidade dos nossos povos. Discutimos porque pensamos e porque somos livres. Temos o orgulho de possuir uma opinião nesta época dolorosa, em que nem aos fortes se quer reconhecer esse direito.
Senhores.
Além do mais, esta Conferência é a maior afirmação histórica da imortalidade da democracia, porque os seus resultados não se apresentam como a vontade de um só e sim como uma vontade de todos. Nenhuma nação fez sua a vontade de um outro povo, mas todas as Nações da América hoje sótêm uma vontade. Esta vitória da democracia sobre si mesma é a preliminar básica e a credencial maior com que a América se apresenta para assegurar a todo mundo a liberdade e o bem-estar.
Conseguimos democraticamente em dez dias o que imperativamente a violência não alcançou em milênios. A democracia está viva. A democracia sempre viverá porque na América ela não associa, regula ou protege interesses, mas irmana as consciências para a obra do bem e da paz entre os americanos.
A união da vontade das nações não se alcança pela subordinação e sim através de um processo de persuasão e de evolução política, religiosa e espiritual. A união das Nações da América é uma resultante histórica dessa consciência. Todos estamos convencidos da necessidade dessa união porque sabemos que os povos desunidos são reduzidos à escravidão. A Europa, a Ásia e a África são exemplos angustiosos da tragédia que a desunião pode criar. E nós unimos cada povo dentro de suas fronteiras e todos os povos no continente para a defesa de nossas terras e de nossas tradições.
O que se decidiu nestes dez dias representa espiritual e materialmente o maior esforço que no continente conseguiu coordenar um período tão reduzido. Assentamos bases definitivas para a nossa defesa quer na esfera dos princípios quer objetivamente no campo das necessidades materiais dos povos. Estudamos e resolvemos sobre o abastecimento das nações em guerra ou em paz, sobre a vida dos nossos povos, sobre a produção, sobre as condições dos trabalhadores, sobre alimentação e saúde, sobre transportes. Resolvemos mobilizar todas as energias de trabalho do continente e todas as riquezas em potencial, para a nossa defesa e para construirmos a paz sobre alicerces duradouros. Resolvemos coordenar o valor das nossas moedas. Nenhuma atividade social foi esquecida. O nosso idealismo não nos afastou da realidade, antes nos fez viver as necessidades dos povos, e nos levou a encaminhar a solução de inúmeros problemas postergados em todos os tempos.
Iniciamos a construção de uma estrutura econômica americana que atravessará os tempos como afirmação concreta do valor dos ideais quando se transportam para o campo das realizações práticas.
O Brasil, meus senhores, em toda a sua história sempre teve como decisivo o valor de sua palavra. Recebemos de nossos antepassados esse patrimônio moral incomparável e o defenderemos com todas as nossas forças. Estamos dispostos a todos os sacrifícios para a nossa defesa e a defesa da América. Nosso povo, que evoluiu na paz, que formou sua mentalidade no acolhimento fraternal de todos os homens de boa vontade, tem em seus estatutos nunca violados o repúdio à guerra de conquista. Não acreditamos que a guerra seja elemento de civilização ou de evolução. Não acreditamos que a guerra seja capaz de assegurar a felicidade dos povos. Nosso progresso não se processou com o espírito dominado pela obsessão da guerra. E, como todas as Nações que amam a paz, fomos até imprevidentes em nossa defesa, porque os recursos do povo os aplicamos em benefícios diretos do povo e nunca contra outros povos.
A neutralidade do Brasil foi sempre exemplar, mas nossa solidariedade com a América é histórica e tradicional. As decisões da América sempre obrigaram o Brasil e mais, ainda, as agressões à América. Esta foi a vossa História, essa há de ser a nossa História, porque o curso de tempo não reduziu, antes aumentou nos brasileiros não só a confiança em si mesmos, mas a consciência da solidariedade com seus irmãos americanos.
Esta é a razão pela qual, hoje, às 18 horas, de ordem do Senhor Presidente da República, os Embaixadores do Brasil em Berlim e Tóquio e o Encarregado de Negócios do Brasil em Roma passaram nota aos Governos junto aos quais estão acreditados, comunicando que, em virtude das recomendações da III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, o Brasil rompia suas relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, a Itália e o Japão.
Na mesma hora, enviei aos agentes diplomáticos daqueles países, no Rio de Janeiro, uma nota comunicando essa resolução, entregando a cada um deles os seus passaportes para que se possam transportar com segurança para seus respectivos países.
Na mesma ocasião, os Governadores e os Interventores nos Estados do Brasil receberam instruções para cassar os “exequatur[1]” concedidos aos agentes da Alemanha, da Itália e do Japão.
Senhores, esta Conferência tem importância decisiva nos destinos da humanidade. Seus resultados se apresentam como o mais importante fenômeno histórico dos últimos tempos. Pela primeira vez, em face de um caso concreto, positivo e definitivo, se põe à prova a estrutura do panamericanismo e, pela primeira vez, todo um continente se declara unido para uma ação comum, em defesa de um ideal comum, que é o de toda a América. Cumprimos o nosso dever organizando em ação a vontade dos nossos povos. Cumprimos o nosso dever como americanos, nesta hora solene para a ordem dos povos e resolvemos muito mais: assumir as responsabilidades que nos cabem nos destinos universais.
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1942
Osvaldo Aranha
Chanceler do Brasil
[1] De origem latina, a expressão ao pé da letra significa “execute-se”, “cumpra-se”. Bastante presente no Direito Internacional Brasileiro, é um documento autorizador de um Estado para executar as funções de um cônsul. (Direito Net)
Transcrição de Diego Antonelli – V de Vitória