FEB: “neurose de guerra” matou o neto de José do Patrocínio

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O soldado Carlos Nuno do Patrocínio, um dos netos de José do Patrocínio, morreu menos de um ano depois de voltar da Segunda Guerra Mundial. Ele fazia parte do II Grupo do 1º Regimento de Obuses Auto-Rebocados e foi ferido em combate, tendo voltado com “neurose de guerra”, falecendo pouco tempo depois do desembarque no Rio de Janeiro. Nuno estava no quartel desde 1942, quando foi convocado como reservista.
O motivo da morte foi suicídio. O corpo foi encontrado dentro do apartamento em que ele morava, em Inhauma/RJ, em 10/05/1946, dois dias depois das comemorações do primeiro ano de vitória na Europa. Nuno tinha só 26 anos de idade e foi enterrado no cemitério do Caju, conforme jornais da época. Neurose de guerra também é chamada dentro da psicologia moderna, de “estresse pós-traumático”, que faz com que o paciente reviva as situações de trauma, causando problemas físicos e mentais. Em alguns casos, o corpo da vítima apresenta os mesmos movimentos que tinha no momento traumático.
Carlos Nuno era filho de Maceo, nome dado por José do Patrocínio, em homenagem ao revolucionário cubano Antônio Maceo, que foi morto pela independência daquele país. Maceo do Patrocínio, funcionário aposentado de uma empresa de seguros, teve o desgosto de ver o filho falecer primeiro do que ele, que morreu 1947.
Tio do Carlos Nuno
Outro filho de José do Patrocínio, que tinha o mesmo nome que o pai, morreu em Paris em 1929, vítima de meningite. Era escritor e poeta. Tinha 44 anos de idade e todos o chamavam de Zeca do Patrocínio.
No total, José do Patrocínio teve cinco filhos, sendo que duas meninas e um menino morreram ainda crianças. Em 1974, conforme a Revista Cruzeiro de 25/05/1974, eram poucos os descendentes do “Tigre da Abolição”: uma neta chamada Dulce Helena Mendes, oito sobrinhos-netos e alguns bisnetos. O pintor Di Cavalcante, era sobrinho da esposa de José do Patrocínio.
Baixas psicológicas
As baixas psicológicas do pós-guerra na FEB, não são totalmente conhecidas, pois, na época existia grande preconceito contra os Pracinhas e uma generalização de que todos eram neuróticos, o que dificultava sua inclusão na sociedade e aumentava a fila de desempregados e de pessoas sem condições de sustento.
O governo chegou a criar alguns mecanismos de cuidados para os combatentes, como a Comissão de Readaptação dos Incapazes das Forças Armadas – CRIFA, porém, as entidades nunca cumpriam plenamente seus objetivos.
Ainda hoje há uma grande lacuna em saber quantos dos Pracinhas apresentaram problemas psicológicos e quantos deles morreram em virtude ou em consequência de agravamentos de casos de depressão e estresse pós-traumático, tanto logo depois da guerra, quanto nos anos e décadas que se seguiram do conflito.
O caso de Carlos Nuno do Patrocínio foi um entre os centenas de Pracinhas que morreram no pós-guerra, assombrados por fantasmas dos dias de agonia e sofrimento que passaram combatendo no maior conflito da história da humanidade.
Quem foi José do Patrocínio?
José do Patrocínio era filho de João Carlos Monteiro, vigário da paróquia de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro. A mãe dele era uma africana escravizada e enviada para o Brasil, chamava-se Justina e trabalhava como quitandeira. Criado na zona rural, na fazenda paterna de Lagoa de Cima, conheceu vários escravizados. Conforme relato da Academia Brasileira de Letras, ali teria nascido “a vocação abolicionista”.
Nascido em 1853, em 1874 estava formado em Farmácia, após ter ido morar no Rio de Janeiro, com 14 anos, tendo trabalhado como pedreiro na Santa Casa de Misericórdia. Quando terminou a faculdade, foi convidado pelo amigo João Rodrigues Pacheco Vilanova, para morar em São Cristóvão, na casa da mãe de João, então casada com o capitão Emiliano Rosa Sena, em segundo matrimônio.
O capitão Sena disse que ele poderia morar lá, se fosse o professor dos filhos dele. Foi nessa época que ele começou a freqüentar o Clube Republicano, tendo sido contemporâneo de Quintino Bocaiúva, Lopes Trovão e Pardal Mallet.
Patrocínio se apaixonou por Bibi Sena (Maria Henriqueta), filha do Capitão Sena. Ela correspondeu, ainda que contrariando o pai. Os dois casaram-se e foi deste casamento que nasceram os filhos citados neste texto. O casal sofreu preconceito na sociedade, pois, não era comum uma mulher branca casar-se com um negro, ainda que este negro não fosse um escravizado.
Além de farmacêutico, José do Patrocínio foi jornalista, orador, poeta e romancista, tendo, inclusive, ajudado na instalação da Academia Brasileira de Letras. Seu maior envolvimento com a causa abolicionista se deu a partir de 1880, quando foi um dos idealizadores do jornal “Confederação Abolicionista”. A mãe dele morreu em 1885, sem ver a abolição instalada no país.
Em 1887 foi eleito vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Montou o jornal “A Cidade do Rio”. Esteve com Rui Barbosa na luta pela abolição.
Quando a Lei Áurea foi assinada, em 1888, ele foi um dos que ajudaram a pressionar a família imperial, já que era amigo da princesa Isabel. Esta amizade fez com que ele não aderisse à República em primeiro momento, sendo que depois de instalado o governo Deodoro da Fonseca, não foram poucas as críticas que ele fez ao novo regime, que dizia não cumprir o que propunha “no papel”.
Quando Floriano Peixoto assumiu, em 1891, Patrocínio foi condenado ao desterro para Cucuí, no Amazonas, só tendo autorização para voltar ao Rio de Janeiro em 1893. O jornal que ele comandava havia sido fechado pelo governo e ele o reabriu em 1895. Manteve-se na ativa até 1902, quando encerrou de vez as atividades.
Patrocínio morreu em 1905, aos 52 anos de idade, no Rio de Janeiro.
Por Helton Costa/ Jornalismo de Guerra.