Monumento Votivo de Pistóia tem página “congelada” no Face

Vista do monumento (Foto: Reprodução)
Um aviso inesperado assustou quem visitou a página oficial no Facebook do “Monumento Votivo de Pistóia”, antigo cemitério brasileiro na II Guerra Mundial. É que o endereço online, segundo a administração do portal, está congelado “por um período de reflexão do administrador devido às incompreensões com a ‘Diretoria’”, escreveu Mário Pereira, atual cuidador do espaço, que conforme o site oficial do Itamaraty, é “mantido integralmente pelo Governo brasileiro, por meio da Embaixada do Brasil em Roma”. As postagens cessaram no último dia 09 de outubro. (Acesse a página aqui)
Mário, que é filho de ex-combatente brasileiro da II Guerra, escreveu ainda que “o desrespeito e a falta de consideração demonstrada para com esta história por parte do establishment [o Governo] é algo que deveria fazer refletir sobre o caminho do nosso País”, pois, “uma Nação sem história e sem cultura não pode esperar de alcançar um posto de relevância no cenário internacional”.
Nas entrelinhas, confirmada em contato posterior, Mário admitiu a possibilidade de deixar a função na Itália e vir morar no Brasil, onde buscará desenvolver trabalhos de formação cívica com jovens, sobre a Força Expedicionária Brasileira – FEB e o combate ao nazifascismo. Também estaria desagradando o “Guardião do Monumento”, o fato do Exército ter colocado um oficial junto à ele, porém, com vencimentos, que segundo Mário, seriam bem acima do que ele recebia e recebe pela mesma função.
Em uma das respostas aos questionamentos sobre o que estaria acontecendo, Mário disse que desde 2018 teve uma redução nos vencimentos, na ordem 35%, mas, que mesmo assim continuou trabalhando com o mesmo afinco. No caso, as reduções foram feitas em função das mudanças das condições fiscais da embaixada para com a receita italiana.
Reclamou ainda de que não estaria tendo apoio da Embaixada para se transferir para o Brasil, caso não continuasse trabalhando no Monumento. “Mais que o salário foi cortada a dignidade e o reconhecimento de um trabalho que atinge duas gerações. Não posso mais fazer praticamente nada das atividades que criei e desenvolvi por minha conta, com os diplomatas sem querer tomar conhecimento e só chegando no momento da foto para estufar o peito”, desabafou.
O trabalho no monumento

Mário de gravata bordô, ao lado vice-presidente, Hamilton Mourão. No centro, de óculos escuros, o atual embaixador do Brasil no Egito, Antônio Patriota (Foto: TV Brasil)
Receber brasileiros de passagem pela Itália e interessados na história da FEB, organizar visitas guiadas aos antigos pontos do front brasileiro, conduzir alunos de escolas italianas, americanas e européias pela história da participação dos Pracinhas em campanha e, principalmente, deixar tudo pronto para cerimônias oficiais do Governo Federal em solo italiano, essas são só algumas das funções que Mário, sozinho, desempenha em Pistóia.
A última grande cerimônia foi a visita do vice-presidente, Hamilton Mourão, que também é filho de ex-combatente, em maio deste ano. Na ocasião, Mourão se mostrou extremamente emocionado e toda a comitiva brasileira foi bem recepcionada.
O que diz a Embaixada
Perguntamos, via assessoria, para a Embaixada do Brasil em Roma, qual a versão para o caso, se haviam de fato reduzido o salário de Mário e suas funções, bem como se havia algum tipo de perseguição a ele e, por último, se haveria algum tipo de prejuízo aos visitantes do Monumento. A resposta veio assinada pelo Ministro-Conselheiro da Embaixada em Roma, João Paulo Alsina, que adiantou que “antes de mais nada, gostaria de reafirmar o compromisso da Embaixada do Brasil em Roma com a preservação da memória dos feitos heróicos da FEB”.

MOurão caminha com Mário, por entre as antigas moradas dos Pracinhas mortos (Foto: Twiiter de Mourão)
Em seguida, o Ministro foi claro em seus posicionamentos:
“A resposta objetiva às suas indagações é difícil tendo em conta que partem de premissas equivocadas. De início, esclareço que não houve redução alguma do salário do nosso colaborador Mário Pereira. De outra parte, esta Embaixada não fará qualquer consideração sobre aspectos subjetivos como um suposto “desentendimento” entre a Embaixada e seu auxiliar local (título da função exercida, com grande competência, pelo senhor Mário Pereira).
Em sentido oposto ao que as suas indagações parecem supor, o Estado nacional, por meio do Exército Brasileiro (EB), deu mostras recentes de preocupação redobrada com a preservação do Monumento Votivo de Pistóia, ao designar, em caráter permanente, um Primeiro-Tenente do EB para a consecução das tarefas de preservação da memória dos feitos da FEB na Itália. Não se vislumbra, portanto, qualquer prejuízo às atividades relacionadas à gestão do Monumento Votivo de Pistóia”, finalizou autoridade brasileira.
Um legado
Quando a II Guerra acabou, ficaram no solo de Pistóia, mais de 460 brasileiros tombados no front. Para cuidar desse pedacinho da pátria, foi designado o sargento Miguel Pereira, que aceitou a função de bom grado, já que contraíra matrimônio com uma italiana de nome Juliana. Foi do casamento dos dois que nasceu Mário.
Em 1960, os restos mortais dos combatentes foram trazidos para o Brasil, ficando o espaço apenas com um corpo, de um soldado desconhecido. Em homenagem à luta dos brasileiros pela libertação da Itália, o antigo cemitério foi transformado em Monumento Votivo. Miguel o cuidou e fazia o mesmo trabalho que o filho dele, Mário, faz atualmente.

Mário Pereira em um dia de trabalho (Foto: Jornal das Lajes)
Quando Miguel morreu, em 2003, Mário cuidou de preservar o legado do pai, a quem já vinha auxiliando desde sempre. Atualmente é ele o responsável por manter a ordem e dar as boas-vindas a autoridades civis e militares que passam pelo Monumento, além de recepcionar turistas e escolares que vão conhecer o antigo campo santo.
Apoios de peso
As reclamações de Mário tiveram apoios de renome na página de Facebook oficial do Monumento Votivo. A historiadora e escritora, Carmen Lúcia Rigoni comentou o caso, explanou sobre a situação geral e deu uma sugestão. “Não seria interessante você escolher alguém daqui [do Brasil] para representá-lo e nos colocar a par dos acontecimentos e verificarmos o que fazer?”, questionou.
Outra historiadora e escritora que comentou a questão foi Adriane Piovezan. “Estamos indignados com tudo isso. O Monumento Votivo Militar Brasileiro de Pistóia estava sob os cuidados de quem contribuía para a pesquisa da FEB, agora só nos resta esperar pela destruição de todo esse trabalho. Obrigada por todo o seu esforço, por toda a sua ajuda, responsabilidade e comprometimento com este espaço de memória. No contexto atual tudo o que significa conhecimento será destruído”, opinou.
Já César Campiani, autor de vários livros sobre a FEB, foi mais sucinto. “Os parasitas transformaram o monumento em mais uma teta”, afirmou.
Entusiastas do trabalho em prol da FEB também opinaram. “Muito triste assistir esta desconsideração com a história da FEB e desconsideração com que manteve viva a história! Quem guarda a história e a difunde merece reconhecimento! Tem minha solidariedade! Não podemos permitir que nossos heróis sejam esquecidos”, ponderou Ranieri Marchioro.
“Lamento profundamente, pois, gosto muito dessa página. Espero que “descongele” em breve e voltem a nos brindar com as postagens que são verdadeiras aulas. Abraços”, completou Cristina Melo Souto, filha de ex-combatente.
“É dê dar pena esse desrespeito. Lutemos contra!”, escreveu Ireneo Valdir Costa. “A ignorância e a truculência não vencerão. Vai passar!”, defendeu João Bosco Ferreira.