FEB: Há 76 anos começava o “drama” de Monte Castello
Transferidos do Vale do Serchio, em 24 de novembro de 1944, os brasileiros foram envolvidos na primeira batalha por Monte Castello, até então, somente mais um ponto no mapa de objetivos aliados. Tal monte era localidade secundária, conforme os planos do general Paul Rutledge, que estava à frente da Task Force 45, unidade formada por uma mistura de forças que iam desde artilharia inglesa, até infantaria americana diversa, partigianis (resistência italiana) e homens da Força Expedicionária Brasileira – FEB. O objetivo principal era a cidadezinha de Corona e o Monte Belvedere.

O III Batalhão do 6º Regimento da FEB foi mandado rumo ao Monte Castello, e conforme relatório da própria Task Force 45, assinado em fevereiro de 1945, precisou retornar para a base de partida. Um tanque americano que lhes daria suporte foi tirado de ação já no começo da jornada, por ação de uma mina. Mesmo sem o tanque para ajudar, os brasileiros continuaram avançando, mas, alvejados por metralhadoras, morteiros e armas menores, além de artilharia inimiga, não houve outra saída que não fosse o retorno para o ponto de reunião.
Voltando ao ataque
Não contente, o comando da Task Force mandou os brasileiros no dia seguinte para cumprir a mesma missão. Os brasileiros conseguiram chegar mais longe um pouco, alcançado as proximidades de Monte Castello, em La Cá, onde três pelotões de uma das Companhias no III Batalhão conseguiram progredir bem no terreno, até perto da Cota 894.
Porém, de noite os alemães concentraram fogos de morteiro em cima dos brasileiros, obrigando-os à um novo recuo até a linha de partida, em Casa Guanella. As informações são do mesmo relatório da própria Task Force 45, já citado anteriormente.
Os americanos até chegaram a Corona, porém, foram contra-atacados em 28 de novembro de 1944 e também recuaram. Com isso, o flanco esquerdo brasileiro ficou desprotegido.
Terceiro ataque à Monte Castello

A ordem do IV Corpo de Exércitos Aliados veio por meio da Instrução de Operações número 71, em 26/11/1944 e dizia: “Dentro de sua zona de ação, capturar a crista que corre do Monte Belvedere para Noroeste, inclusive Monte Castello, a fim de impedir que o inimigo tenha vistas sobre a estrada 64; continuar as operações para conquista da crista de Castelnuovo [di Vergato]”. Além disso, os brasileiros deveriam estabelecer contato com os aliados mais próximos.
Mesmo já tendo fracassado duas vezes, sem contar com os americanos em Corona, sem apoio aéreo, com chuva e barro que impediam tanques de avançarem, coube de novo ao III Batalhão do 6º Regimento, agora reforçado pelo I Batalhão do 1° Regimento e pelo III Batalhão do 11° Regimento (que tinham recebido armamento somente nove dias antes), um novo ataque à Monte Castello. Agora, comandaria o ataque o General Mascarenhas, comandante da FEB. Nos dois anteriores, os brasileiros cumpriam/respondiam ordens dos americanos.
Das 7h ao meio dia até deu certo, porém, o I Batalhão do 1° Regimento recuou em Abetaia, porque os inimigos regularam a artilharia bem em cima deles e mandaram contra-ataque. Os outros batalhões também ficaram inoperantes.
Foram 190 baixas brasileira somente no dia 29/11/1944. Os alemães teriam disparado pelo menos 6.400 tiros em cima das tropas brasileiras, que sem os meios necessários e pelo clima no dia, recuaram de novo para a base de partida.
Um novo ataque foi planejado para 12 de dezembro, desta vez, o segundo com organização e desenvolvimento somente brasileiro, sem apenas cumprir ordens dos americanos. Mas, esta é outra história.
Versão alemã
O tenente alemão, que combateu contra os brasileiros, Heinrich Boucsein conta que os Pracinhas estavam sendo acompanhados desde o começo, desde o dia que pisaram naquele front e que no dia 24/11/1944, a saída alemã foi fazer barragem de fogo sob eles. Segundo Boucsein, havia oito blindados em apoio aos homens do III Batalhão do 6° Regimento, mas, esses foram logo rechaçados pela Artilharia alemã e recuaram.
No dia 25, foi a mesma coisa. A ideia era deter os tanques, fazer os brasileiros avançarem sem proteção e com isso acertá-los desde o alto do Castello.
Já no dia 29, segundo Boucsein, a chuva ajudou os tedescos e os brasileiros chegaram já exaustos para o ataque, pois, a lama dificultara a marcha. “As unidades do 1.043º Regimento de Infantaria alemão, por sua vez, oferecem novamente uma tenaz e bem-organizada resistência, utilizando morteiros, metralhadoras e barragens de artilharia”, se orgulha o oficial inimigo.
Mais para frente, ao comentar da “destacada” atuação da 7ª Cia do 1.043º Regimento de Infantaria alemão frente aos brasileiros, Boucsein se vangloriou. “Somente na frente de uma posição avançada guarnecida apenas por um suboficial e oito soldados, foram contados 25 atacantes mortos. Em postos avançados, só foi possível subjugar os tenazes combatentes alemães mediante a intervenção de um blindado inimigo”, escreveu, confirmando que havia pelo menos 120 defensores na posição, para segurar os brasileiros.
Versão do comandante
O comandante da FEB, general Mascarenhas de Moraes, no livro “Memórias” (p.227-228), explica o insucesso dos três primeiros ataques. Em 24 e 25/11, conforme ele dá a entender, o erro foi do general Willis Dale Crittenberger , comandante do IV Corpo de Exércitos. “Infelizmente malograram os dois ataques a Monte Castelo desencadeadas pela Task Force 45. A evidente desproporção entre os meios empregados e os objetivos a conquistar – agravada pela falta de coordenação entre unidades estranhas – impediu que o inimigo fosse desalojado desse forte bastião – o Monte Castello. O comandante do IV Corpo, General Crittenberger, resolveu então prosseguir atacando esse famigerado objetivo, mas face às minhas ponderações de reverter ao meu comando aquelas unidades brasileiras, o general que Crittenberger as atendeu, atribuindo a nossa divisão a missão de conquistar Monte Castello”.
Foi aí que Mascarenhas assumiu o comando do ataque do dia 29/11. Porém, deu errado mais uma vez. De novo, no mesmo livro, ele se justificou. “Segundo minha convicção, os meios empregados não eram proporcionais as missões recebidas, e para o cumprimento das quais, devido ao mau tempo, não dispunha eu de suficiente apoio de artilharia e aviação. Dever-se-ia empregar ainda o mínimo de duas divisões sobre o Belvedere-Castello-Torracia, os acidentes capitais da região, cuja posse de era de importância vital no prosseguimento das operações para o nordeste e leste, e asseguravam o tráfico aliado na Estrada nº 64, o melhor eixo de comunicações e abastecimento do IV Corpo, na direção de Bolonha”, publicou o antigo comandante da FEB.

Mascarenhas refletiu ainda que “acresce que os meios suficientes, não foram por circunstâncias várias, devidamente coordenados, de modo a se obter deles o rendimento máximo”. “Não só o terreno escarpado mas também as condições meteorológicas – frio, chuva, neve – dificultaram o êxito dos ataques. Pouco faltou para que conquistássemos Monte Castello: alguns de nossos homens chegaram a atingir o topo da elevação. Mas, se conseguíssemos nos apossar da elevação, nossas condições seriam tão precárias que não teríamos meios de repelir os vigorosos contra-ataques que o inimigo, a curto prazo, teria possibilidade de desencadear do Monte della Torracia. Dali fomos repelidos duas vezes, é verdade, mas sempre conservando nossas bases de partida”, escreveu.
Já no Reletório Secreto, tornado público em 2018, Mascarenhas deixou registrado que em 24 /11, “o ataque realizou-se sem qualquer interferência do comando brasileiro” e que o mesmo “redundou em completo fracasso”. No dia 25/11, segundo ele o ataque foi feito “sem acrescentar qualquer reforço e com tropa mais combalida física e moralmente. (…) ao clarear do dia, acarretando novo insucesso e novas perdas, ao mesmo tempo e que alertava o inimigo quanto ao nosso desígnio de tomar Monte Castello e levantava o moral [dos inimigos] pelos êxitos fáceis que vinha obtendo”.
Em outro trecho ele explica o sistema de defesa alemão: “Monte Castello funciona, no sistema Belvedere- Torraccia, como um contraforte leste do maciço, com encostas íngremes e apenas uma ponta topográfica de acesso menos difícil, em Casa Viteline – cota 887. Assim, o perfeito comando sobre toda a região a percorrer, a impossibilidade de movimento coberto, a precariedade das comunicações, a dificuldade de deslocamentos, a ausência de linhas que permitam uma boa instalação de bocas de fogo, tudo isto nos mostra a dificuldade ofensiva, para “aproximar, tomar o dispositivo e executar o ataque”, particularmente sem a conquista prévia de Belvedere, ou sua neutralização eficiente, o que exigiria o valor de algumas artilharias divisionárias, o que não se dispunha”, comentou Mascarenhas.
Jornalistas viram tudo
Os jornalistas, que acompanhavam a FEB, estavam nas três primeiras investidas, em Postos de Observação, junto com oficiais. Eles tomaram nota e escreveram o que puderam, o que a censura permitiu. Eles entregavam seus textos primeiro para a censura nas linhas avançadas, da própria FEB; depois para a censura do V Exército e, em tese, o conteúdo era liberado para a publicação. Porém, como o Brasil vivia a ditadura do Estado Novo, sob o comando de Getúlio Vargas, o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, ainda fazia uma terceira censura no Brasil, não só do ponto de vista estratégico, como também do político, proibindo tudo aquilo que pudesse criticar a administração do presidente, direta ou indiretamente.
Raul Brandão, do Correio da Manhã, dizia que em 29/11 a culpa foi da perda do “fator surpresa” do ataque e Egydio Squeff (O Globo), defendia que algum espião ou o serviço de inteligência alemã estavam agindo, pois, não seria possível que soubessem cada passo dos brasileiros naquele dia.
Rubem Braga (Diário Carioca) escreveu uma crônica de 21 páginas em que apontava as falhas dos ataques brasileiros ao Castello. Ele passou a noite datilografando e entregou para a censura ler. Nunca mais obteve de volta o material. Possivelmente havia críticas à condução do ataque, por parte dos americanos, o que Mascarenhas só trouxe à tona bem depois da guerra.
Monte Castello só cairia em 21/02/1945 e os brasileiros passariam o inverno aos pés da elevação e em suas proximidades.
Referências
BOUCSEIN, Heinrich. Bombardeiros, Caças e Guerrilheiros: finale furiosos na Itália. A história da 232ª Divisão de Infantaria, a última divisão alemã a ser deslocada para a Itália (1944-1945). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2002.
BRAGA, Rubem. Crônicas da guerra na Itália. Rio de Janeiro: Record, 1985
DONATO, Hernani. Dicionário das Batalhas Brasileiras. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001
History of a Task Force 45, disponível em https://cgsc.contentdm.oclc.org/digital/collection/p4013coll8/id/3426
MORAES, João Baptista Mascarenhas de. Memórias. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1984, 2 vols.
Relatório Secreto de Mascarenhas de Moraes, cedido pelo Arquivo Histórico do Exército.