Convocação das enfermeiras foi atropelada e de última hora
Com a definição de que o Brasil enviaria um contingente militar à Europa, também já havia sido firmado com os Aliados que o Brasil ajudaria nos atendimentos médicos dos feridos. O Exército Brasileiro já possuía cabos e sargentos enfermeiros em seus quadros, todos formados pela Escola de Saúde do Exército desde 1921. Mas essa medida não atendia ao padrão do Exército Norte Americano, a quem a Força Expedicionária Brasileira (FEB) iria se integrar, de se ter mulheres enfermeiras incorporadas e treinadas.
O Serviço de Saúde da FEB foi organizado com um efetivo de 1.369 militares, que atuaram em diversos órgãos. Ao todo foram: 198 oficiais médicos, dentistas, farmacêuticos e intendentes; 225 sargentos enfermeiros e de administração; 176 cabos e 721 soldados, além de 67 enfermeiras (REIS, 1969). A Aeronáutica também contou com um efetivo de seis enfermeiras. O envio das tropas ocorreu em 1944.
No entanto, veio um problema: como é que o Exército iria criar, organizar e treinar, de uma hora para outra, uma reserva feminina de enfermagem? Uma das saídas foi buscar apoio nas escolas de enfermagem que já se destacavam no Brasil.
As tratativas com Laís Netto dos Reys, diretora da Escola Anna Nery, referência nacional na época, a fim de que se viabilizasse a participação de alunas oriundas desta instituição no Serviço de Saúde da FEB, não deram certo.
O pesquisador Alexandre Barbosa de Oliveira narra que a adesão das alunas não se concretizou devido à proposta do Exército em não conferir posto militar e remuneração condizente às enfermeiras da escola. “Laís Netto dos Reys optou por não atender à solicitação do exército, em virtude da indefinição do posto militar e do pequeno soldo oferecido pela FEB, que julgou insatisfatório”, escreve.

A enfermeira Elza Cansanção recorda da situação: “Quando foi dada ordem para que o Exército organizasse o seu corpo de enfermeiras, este mandou chamar a diretora da Escola Oficial para que, com suas alunas, o organizasse. A primeira coisa que perguntou foi ‘quanto vão ganhar essas enfermeiras?’. Ao saber que o soldo seria apenas quinhentos e vinte réis, respondeu que suas alunas não se sujeitavam a ganhar tão pouco”.
Transtornos
A recusa da Escola Anna Nery provocou transtornos na organização da tropa. Às pressas, o Exército teve que abrir voluntariado, cuja divulgação foi realizada através da imprensa da época. Foi uma convocação atropelada de mulheres enfermeiras que queriam embarcar para a guerra.
“Infelizmente, toda essa situação resultou num desajeitado remendo, onde as primeiras intenções não foram suficientes para mascarar a fragilidade do grupamento feminino de enfermagem do Exército, que seria apressadamente criado e organizado, debilmente treinado, e reservadamente reconhecido”, escreve o pesquisador Oliveira.

Os jornais da época traziam as exigências iniciais para as candidatas a enfermeiras de guerra: ser brasileira nata, solteira ou viúva sem filhos, ter no mínimo 20 e no máximo 40 anos de idade, possuir diploma de enfermeira ou certificado de curso de samaritana ou voluntária socorrista expedidos por escola de reconhecida idoneidade ou, ainda, ser enfermeira profissional portadora de atestado fornecido pelo estabelecimento em que servia.
Dois meses se passaram e as dificuldades de convocação persistiam. O Exército, então, alterou parte das condições. Mulheres desquitadas passaram a ser aceitas e a faixa etária mudou para 22 a 45 anos. Mulheres casadas, com o consentimento do marido, também poderiam se inscrever como voluntárias.
A mudança surtiu efeito. As voluntárias que se apresentaram foram inscritas no Curso de Emergência de Enfermeiras da Reserva do Exército (CEERE). O regulamento e o programa dos cursos tinham que ser aprovados pela Diretoria de Saúde do Exército do Ministério da Guerra, condição obrigatória para integrar o Quadro de Enfermeiras da Reserva do Exército (QERE).
O curso comportou três módulos, que incluíam parte teórica, preparação física e instrução militar, possibilitando que as candidatas incorporassem o habitus militar, contribuindo para a padronização do comportamento dessas enfermeiras no Teatro de Operações na Itália.
Para saber mais:
ENFERMEIRAS DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA NO FRONT DO PÓS-GUERRA: O PROCESSO DE REINCLUSÃO NO SERVIÇO MILITAR ATIVO DO EXÉRCITO (1945-1957)
AUTOR: Alexandre Barbosa de Oliveira