Segunda Guerra: ucraniano que sobreviveu a trabalhos forçados na Alemanha, completa 100 anos em Ponta Grossa/PR
Com 100 anos recém completos, Stefan Stasyszyn foi um dos mais de 2,4 milhões de ucranianos “escravizados” pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial. O senhor, que vive em uma casa de repouso de idosos em Ponta Grossa/PR, tinha apenas 18 anos quando foi levado pelos alemães para trabalhar em fazendas de produção de alimentos e matérias-primas, para as Forças Armadas do Terceiro Reich, comandadas por Adolf Hitler.
O começo da história
Em 1939, quando teve início a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista e a União Soviética, comunista, assinaram um acordo de não-agressão em que se comprometiam a não se atacar mutuamente e ainda dividiam territórios ocupados, sendo o primeiro deles a Polônia. Nessa época, Stefan, morava com a família na cidade de Sabir, distrito de Liviv, onde trabalhava no campo junto com o pai, Ivan, a mãe, Zofia e mais cinco irmãos.
O pacto entre nazistas e comunistas perdurou até 1941, quando em junho daquele ano os alemães desencadearam a Operação Barbarossa, que visava, entre outros objetivos, acabar com o ex-aliado, expandindo o domínio alemão e garantindo os recursos naturais da União Soviética para a continuidade do conflito por parte das tropas germânicas. A partir dali a União Soviética saía da posição de neutralidade e ingressava como beligerante junto aos Aliados.
Os alemães tomaram o território ucraniano assim que avançaram destinados às proximidades de Moscou, onde foram detidos ainda em 1941. Destituídos dos planos de tomar Moscou, em 1942 os alemães investiram contra Stalingrado, onde foram derrotados em 1943. Mais tarde, foram batidos novamente em Kursk. Com a abertura do front da Sicilia e mais tarde na Normandia (Dia D), os alemães cada vez mais foram sendo obrigados a desistir dos planos de expansão para o leste europeu, com recuos e mais recuos que terminaram com sua derrota total em maio de 1945.
A Ucrânia naquele contexto

Dentro da Ucrânia, havia uma ala pessoas que defendia o alinhamento com os alemães como forma de se livrar do jugo soviético. Outra parte defendia que os soviéticos ainda eram melhores do que os alemães e que por isso, seriam os aliados naturais do povo ucraniano. E havia ainda um terceiro grupo, que no começo apoiou os nazistas e que depois os traiu, e passou a atacar tanto os germânicos, quanto os comunistas, constituindo um Exército Insurgente.
Os ucranianos que lutaram junto aos comunistas tiveram ações destacadas, sendo, inclusive as primeiras tropas a entrarem em Berlim e também a promover abusos contra civis alemães, devolvendo em forma de represálias a invasão de sua pátria.
Os que lutaram pelos alemães, forçados ou por vontade própria, estiveram em várias partes do front europeu, como no próprio leste do continente, mas, também na França, Holanda e mesmo na Itália, inclusive lutando na mesma frente dos soldados da Força Expedicionária Brasileira – FEB. Tão logo a guerra acabou, foram perseguidos e muitos deles foram castigados pelo Exército de Stálin. Destino parecido ao dos soldados insurgentes, que foram completamente dizimados até 1950.
A Ucrânia em si ficaria nas mãos alemãs até 1944. Já a partir de 1941, os nazistas começaram a recrutar civis ucranianos para campos de trabalhos forçados, muito próximos à escravidão. Homens e mulheres da Ucrânia foram usados no front interno alemão para os mais diversos fins, já que os homens tedescos estavam combatendo pelo exército hitlerista.
Conforme dados da organização “Encontro de Judeus Ucranianos”, “13,5 milhões de homens, mulheres e crianças de 26 países europeus trabalharam no território da Alemanha nazista”, dos quais, pelo menos 2,4 milhões eram ucranianos natos. Eles eram os chamados pelos alemães de “Ostarbeiter”, trabalhadores ocidentais.

Stefan e um irmão mais velho foram levados para Alemanha. Stefan, nunca mais veria a família, pois, nos próximos três anos trabalharia em uma fazenda como agricultor, produzindo comida para alimentar os soldados do Reich, que se espalhavam pela Europa e por parte da África.
“Eu não participava da guerra. Eu só a via. Se alguém [um alemão] me perguntava alguma coisa, eu explicava, assim, assim e pronto. (…) Eu não fui soldado nenhum. Eu trabalhava na minha propriedade, meu pai tinha terreno, tinha tudo. (…) Eu arava, tratava… Meu pai tinha cavalos, tinha terreno e eu trabalhava. Nem andava pelas ruas”, argumenta Stefan, explicando que quando os alemães chegaram, eles pensaram em se defender. “Se avança alguém no senhor, o senhor vai ficar quieto? Eles avançaram em nós e nós ó [mostrando com as mãos que lutaram contra os nazistas]”.
Mas, a resistência foi inútil frente ao poderio do Exército de Hitler. Houve bombardeio na vila dele e ele foi feito prisioneiro dias depois. Dali em diante, continuaria trabalhando no campo, porém, não mais para a família e sim em fazendas coletivas em que era posto, locais onde aprendeu a falar alemão para entender as ordens que lhes eram dadas, habilidade que seria muito útil no pós-guerra. Antes, já dominava o russo e o polonês, porque segundo ele, são idiomas próximos, em que muitas vezes só se muda o sotaque ao pronunciar as palavras.
Enquanto esteve internado para trabalhar para os alemães, ele não teve contato com a família. Um dos cinco irmãos, segundo ele, teria sido enviado para o Exército alemão como combatente, dentro das várias unidades de ucranianas a serviço do Reich[1].
O fim da guerra
Oficialmente, a guerra na Europa terminou em 08 de maio de 1945. Stefan se inteirou de como estava a situação em sua terra natal, viu que os soviéticos haviam triunfado e preferiu não regressar ao lar, possivelmente com medo de represálias, uma vez que o regime comunista não via com bons olhos os trabalhadores ucranianos enviados para a Alemanha, os considerava traidores da pátria, sem entender que a maior parte deles não estava lá porque queria e sim porque foi obrigada.
“Na União Soviética do pós-guerra, os antigos Ostarbeiters foram rejeitados como traidores e colaboradores. Um grande número foi enviado para o Gulag após seu retorno à URSS. Muitos nunca seriam capazes de obter educação, construir uma carreira ou começar uma família e ter filhos. De certa forma, essas pessoas foram vítimas de dois regimes totalitários, nazista e soviético, tiveram suas vidas marcadas por ambos. Os Ostarbeiters e suas histórias são frequentemente descartados por causa desse não pertencimento. Muitos ficaram em silêncio por décadas. Muitos passaram pela ‘filtragem’ ao retornar (ou serem devolvidas, frequentemente à força) à União Soviética — uma avaliação formal de sua lealdade ao regime soviético. Muitos não passaram pela filtragem e foram enviadas para outra prisão, desta vez em sua terra natal. As mulheres Ostarbeiters dão relatos horríveis de seus abusos por soldados-libertadores soviéticos, que trataram essas mulheres como as maiores traidoras. O aspecto de gênero — a ideia de uma feminilidade traiçoeira, projetada na concepção soviética de ucranianidade como traiçoeira em geral — frequentemente resultava em vingança: humilhação, estupro e outras violências contra as Ostarbeiters”, explicou no começo de 2024, o pesquisador Alex Averbuch, que cursava pós-doutorado no David Center, da Universidade de Havard[2].

No caso de Stefan, quando a guerra acabou, ele foi deslocado para as redondezas de Frankfurt. Enquanto não havia a deportação para a Ucrânia, ele conseguia trabalho aqui e ali, inclusive com o pessoal do Exército americano, que comandava aquela parte da Alemanha, nação que havia sido dividida em quatro (uma parte francesa, uma americana, uma soviética e outra inglesa). Por dois anos a rotina dele era tentar sobreviver um dia de cada vez, como desse.
Nessa época, ele freqüentava a igreja católica e ficou sabendo que desde 1945, o Brasil tinha regras especiais para acolher refugiados de guerra que quisessem imigrar. A própria igreja organizava grupos e padres contaram que no Brasil havia uma comunidade ucraniana considerável. De índole calma e religioso, Stefan aceitou o destino, não queria voltar para casa, que agora fazia parte dos domínios soviéticos. “Eu nunca fiz mal para ninguém. Se eu podia fazer o bem, eu fazia. Mas, mal, nunca! (…) Nunca se faz isso, porque Deus está enxergando”, acrescenta.
Em 1947, após idas e vindas na Alemanha, Stefan conseguiu uma autorização junto ao comando americano, para imigrar para o Brasil. Arranjou transporte, embarcou em um navio e depois de um mês, desembarcou no Rio de Janeiro. Justamente padres da mesma congregação que ele freqüentava na Alemanha, o receberam e deram assistência a ele e a um grupo numeroso de ucranianos que tinham como objetivo recomeçar a vida do lado de cá do Oceano.
Rumo ao Paraná
Uma vez acolhido, os padres indicaram que no Paraná havia uma comunidade ucraniana grande. Foi assim que ele e dezenas de outros ucranianos imigrantes deixaram a terra natal e vieram se estabelecer nos Campos Gerais, naquela que foi uma terceira onda de imigração ucraniana na região, que havia se iniciado no final do século XIX.
Ele passou por Prudentópolis, Cerro Azul, Mallet e se estabeleceu definitivamente em Ivaí, onde trabalhou dois anos. Foi ali também que conheceu a esposa, Ladimira Slazala, filha de pais ucranianos imigrados para o Brasil na segunda metade do final do século XIX. Naqueles dias, Stefan trabalhava na colheita de café na região de Ivaí e nos municípios vizinhos.
Depois de casado, o sogro lhe doou cinco alqueires de terra, que foram suficientes para criar a família, ainda que com dificuldades financeiras vez ou outra. Na roça, passou boa parte da vida de casado, até se transferir em 1973 para Ponta Grossa, onde se especializou em metalurgia e trabalhou em uma empresa da região até se aposentar.
Aposentado ficou morando com os dois filhos, porém, os filhos também ficaram idosos e com problemas de saúde, de modo que já não conseguiam tomar conta do Stefan com os cuidados que a idade avançada exigia. A saída encontrada pela família, após muita reflexão, foi dar condições melhores para o patriarca, colocando-o em uma casa de repouso, onde poderia receber cuidados por parte profissionais especializados.
Ele chegou à Casa do Idoso Paulo de Tarso, em 2020, bem no meio da pandemia. Teve Covid-19, mas, se recuperou. E depois da Covid, foi diagnosticado com câncer de pele por duas vezes; fez as sessões, seguiu o tratamento e atualmente está estável, sem novos sinais da doença.
Hoje é um dos 38 moradores do local, gosta de cantar, de dançar e se divertir. Porém, outra doença foi diagnosticada recentemente. Silenciosa, mas tão impactante quanto as anteriores, conforme laudos, Stefan tem Alzheimer e sofre de demência, de modo que sua memória está sumindo aos poucos e mesmo os fatos mais recentes já lhe fogem do pensamento.
Mesmo assim, os dias passados nos campos de trabalhos forçados e a imigração para o Brasil ainda voltam em flashes, para depois se misturarem com memórias marcantes positivas e negativas do decorrer da vida.
Nunca pediram perdão
A família explica que há alguns anos contratou um advogado, para tentar algum tipo de ressarcimento histórico e mesmo financeiro do governo alemão, que roubou daquele jovem três anos de sua vida, e que ainda o afastou da família de forma definitiva, já que depois da guerra ele só conseguiu se comunicar com os parentes por alguns anos, via carta, sendo que a última vez que conversou com eles, foi para saber que a mãe havia falecido aos 104 anos de idade.

O advogado ficou de estudar a questão, mas, nunca mais voltou. Os Stasyszyn são pessoas simples, sem conhecimento jurídico, e acabaram por entender que a questão estava encerrada. Porém, a geração dos netos, mais esclarecida, gostaria de ver os direitos do avô assegurados e principalmente, esperam um pedido de desculpas do atual Estado alemão. Agora a família Stasyszyn tem esperança de ver sua demanda atendida, desde que lhe indiquem os caminhos legais.
O regime soviético e a falta de condições financeiras para que Stefan voltasse a ver os irmãos e sobrinhos, também contribuíram para o isolamento dele no pós-guerra, de modo que no próprio documento brasileiro, emitido pela Polícia Federal, consta que ele é apátrida, ou seja, não possui pátria, o que ele nega veementemente e que os documentos confirmam, já que ele é um ucraniano nato.
O Consulado alemão em São Paulo, que é responsável pela área do Paraná, foi procurado pela reportagem para falar sobre o caso. Eles pediram cópias da documentação de Stefan, que foram enviadas na segunda-feira (04/11/2024). A representação alemã se mostrou aberta ao diálogo, compreensiva e prestativa para analisar a questão e encontrar uma saída que seja justa quanto aos direitos ou não do ucraniano Stefan.
Enquanto o pedido de ressarcimento e de desculpas é analisado pela diplomacia alemã, o senhor Stefan toca a vida junto com os amigos do asilo, com quem gosta de conversar e cantar músicas dos tempos em que ainda era um jovem cheio de sonhos e de quando esteve prisioneiro dos alemães. São canções que evocam o sentimento nacionalista de quem ainda se emociona ao lembrar-se da terra natal. “Ele assiste o noticiário às vezes, e quando vê alguma notícia sobre a Ucrânia, chora, dizendo que a nação dele continua em guerra”, comenta a assistente social que trabalha junto aos idosos do Paulo de Tarso, Camila Barros, explicando que ele está ciente da guerra atual na Ucrânia e que compara o que passou com o que as famílias de lá passam agora: um sofrimento sem fim.
Veja um vídeo de Stefan no vídeo abaixo:
P.S. Agradecimentos ao Portal A Rede, de Ponta Grossa/PR, que permitiu o acesso à fonte, junto com sua equipe, e ao pessoal da Casa do Idoso Paulo de Tarso.
[1] Estima-se que dos 34 milhões de soldados soviéticos na Segunda Guerra Mundial, pelo menos entre 4,5 milhões a 7 milhões eram ucranianos (dados oficiais da Ucrânia) e que pelo menos outros 250 mil fizeram parte de unidades alemãs. Karen Petrone in The Living Ghosts of the Second World War and the Russian Invasion of Ukraine. Disponível em https://origins.osu.edu/read/living-ghosts-second-world-war-and-russian-invasion-ukraine#:~:text=While%20millions%20of%20Ukrainians%20fought%20against%20the,in%20the%20Holocaust%20and%20other%20German%20atrocities.
[2] Ver a entrevista completa em https://daviscenter.fas.harvard.edu/insights/pictures-home-ukrainian-forced-laborers-nazi-territory.


