Brasil na Segunda Guerra: combate de Montese completa 80 anos

Oitenta anos se passaram desde que a Força Expedicionária Brasileira (FEB) iniciou uma das suas mais significativas conquistas na Segunda Guerra Mundial: a tomada de Montese, em 14 de abril de 1945. Situada no norte da Itália, a localidade com traços medievais tornou-se palco de um confronto intenso que duraria três dias, marcando um ponto importante na Ofensiva de Primavera Aliada para expulsar as forças alemãs da região.

O General Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, em um posto de observação em Sassomolare, durante o ataque à Montese. Abril de 1945. Mais fotos e fatos da FEB em V de Vitória. Foto devidamente cedida pelo Museu da Imagem e do Som da Associação Nacional dos Veteranos da FEB – Direção Central. 

Desde a queda de Monte Castello em 21 de fevereiro, os soldados brasileiros avançavam em território italiano. A ordem do Comando Aliado para a nova ofensiva colocou sobre a FEB a responsabilidade de capturar Montese. Segundo o Oficial de Ligação Adhemar Rivermar de Almeida[1], a atribuição da missão partiu de uma solicitação do próprio comandante da FEB, General Mascarenhas de Moraes. Ele se adiantou ao comando da 10ª Divisão de Montanha americana e pediu a tarefa diretamente ao general Mark Clark, comandante do V Exército Aliado. Com o pedido atendido, as tropas brasileiras posicionaram-se nas proximidades da cidade.

Heinrich Boucsein (Foto: acervo Jornalismo de Guerra)

A presença alemã em Montese era consolidada. O tenente alemão Heinrich Boucsen[2], da 232ª Divisão de Infantaria, relatou que peças de artilharia e carros de combate permaneceram estacionados ali por meses. A expectativa de um ataque brasileiro já existia na véspera, 13 de abril. Nesse dia, segundo informações registradas pelo escritor William Waack[3], dois observadores brasileiros teriam sido mortos por atiradores alemães perto do cemitério local, enquanto um membro da Resistência italiana conseguiu escapar.

O início

A operação brasileira começou às 10h15 do dia 14. O objetivo inicial era tomar a linha Casone – Il Cerro – Possessione – Cota 745. Partindo de Sassomolare pela direita, homens da 6ª Companhia do II Batalhão do 1º Regimento de Infantaria tomaram Possessione. As localidades de Creda e Pavarento também foram ocupadas pelos brasileiros. A reação alemã foi imediata e forte. O historiador Dennison de Oliveira aponta que os alemães empregaram três quartos de sua artilharia disponível na região contra os avanços brasileiros.

Brasileiro na fonte de Montese (que ainda existe), após o final dos combates. Foto: Arquivo Nacional/Jornalismo de Guerra

Às 13h30, teve início o ataque principal à cidade de Montese. A artilharia aliada preparou o terreno, tendo destruído, após o final da lutas, mais de 800 das 1.121 casas existentes na localidade, conforme dados os pesquisadores Walter Belissi e Marilia Cioni, no livro “Batalle sul Crinale” (2012, p.170-171). Assim que o bombardeio cessou, o III e o I Batalhão do 11º Regimento de Infantaria avançaram. Em Serreto, tanques americanos forneceram suporte à infantaria. A artilharia brasileira voltou a atuar para silenciar a resistência inimiga. Às 15h15, Serreto estava sob controle brasileiro.

Enquanto os brasileiros combatiam, tropas americanas enfrentavam dificuldades em Monte Buffone, uma elevação próxima e mais alta que Serreto. De lá, os alemães também passaram a disparar contra os brasileiros, freando o avanço naquele setor. Contudo, aproveitando os ganhos obtidos pela manhã na área de Possessione, os soldados da FEB conseguiram entrar em Montese por outro caminho. O Pelotão do tenente Iporan Nunes, foi o primeiro a entrar. Eles faziam parte da 2ª Companhia do 11° Regimento de Infantaria.

Edson Giordano, na esquerda, levando prisioneiros com outro pracinha aqui na direita.

Termina o primeiro dia

O primeiro dia de combate resultou na captura de 107 prisioneiros alemães e um número considerável de mortos inimigos. Ao final da jornada, o total de alemães aprisionados chegou a 453, incluindo o comandante da guarnição de Montese. O número exato de mortos alemães permanece desconhecido, assim como o de feridos, mas cruzes dispostas posteriormente fora do cemitério indicavam dezenas de baixas.

O temor de um contra-ataque alemão, como ocorrera em outras situações, levou à interrupção temporária do avanço Aliado. O General Mascarenhas de Moraes, em seu livro “A FEB pelo seu comandante”, indicou que, com os objetivos parcialmente atingidos, havia uma inclinação para consolidar posições. No entanto, os oficiais do 11º Regimento de Infantaria manifestaram o desejo de prosseguir. Assim, no dia 15 de abril, deslocaram-se para Monte Buffone, assumindo e completando a missão originalmente designada aos americanos, após os alemães terem se retirado daquela posição estratégica durante a madrugada.

Na foto, o Capitão Adhemar Rivermar de Almeida (esquerda) e o 2o Tenente e xará, Adhemar de Lima Andrade (direita), na Itália em 1945.Mais fotos e fatos da FEB em V de Vitória. Foto da obra: ALMEIDA, Adhemar Rivermar de. Montese – Marco Glorioso de uma Trajetória, Rio de Janeiro, BIBLIEX,1985

A reação alemã persistiu. Reorganizados em Montello e na cota 758, ofereceram resistência aos brasileiros que tentavam penetrar suas linhas. Mascarenhas de Moraes descreveu as defesas como “cada vez mais cerradas”. Para rompê-las, somente no dia 15, a artilharia brasileira disparou 9.600 tiros contra as posições inimigas. As baixas brasileiras aumentavam, somando cerca de 130 entre mortos e feridos. Diante disso, durante a noite, batalhões do 6º Regimento de Infantaria começaram a substituir unidades do desgastado 11º Regimento. As posições brasileiras se estendiam da cota 753 à cota 913.

A situação tática era complexa

O flanco nordeste apresentava vulnerabilidade, pois o avanço americano na área não acompanhou o ritmo necessário. A resistência alemã concentrava-se nas cotas 888 e 927, posições que só foram abandonadas na noite de 16 de abril, quando as tropas inimigas recuaram.

Montese transformara-se num cenário de caos. Tiros cruzavam o ar, morteiros explodiam entre escombros de ruas e prédios. Mascarenhas de Moraes registrou em sua obra a impressão do local: “Um verdadeiro inferno”. Reorganizar as linhas brasileiras em meio à destruição e ao fogo inimigo contínuo era um desafio.

No dia 16, o 1º Regimento de Infantaria ocupou posições em Famaticcia, substituindo a 10ª Divisão de Montanha americana. Essa manobra conjunta entre brasileiros e americanos solucionou o problema do flanco descoberto a nordeste, fechando o cerco sobre as forças alemãs remanescentes.

Ao amanhecer do dia 17 de abril, terceiro dia da batalha, o dispositivo brasileiro foi reajustado para a expulsão definitiva dos alemães de Montese, empurrando-os na direção de Zocca. Engenheiros do 9º Batalhão e homens do Esquadrão de Reconhecimento da FEB entraram na cidade para a consolidação final.  Homens do 11º Regimento de Infantaria realizaram a verificação minuciosa, casa por casa, rua por rua, em busca de focos de resistência. A limpeza de numerosos campos minados ocorreu sob fogo de morteiros inimigos.

Pelotão do Tenente Iporan Nunes, o primeiro a entrar em Montese. Eles faziam parte da 2ª Companhia do 11° Regimento de Infantaria. Iporan está na segunda fileira de soldados, bem ao centro da foto, atrás (na direita de vocês) do Pracinha de óculos escuro. Foto de Legião da Infantaria do Exército.

O General Mascarenhas destacou que o maciço de Montese, sozinho, recebeu mais disparos da artilharia inimiga do que toda a restante frente do IV Corpo de Exército Aliado, que incluía outras quatro divisões. O historiador Dennison de Oliveira sugere que essa concentração de fogo resultou de uma interpretação equivocada do Comando Alemão, que teria considerado o ataque a Montese como o esforço principal da Ofensiva de Primavera, quando, na verdade, as ações principais estavam designadas aos americanos nas montanhas adjacentes. Essa percepção alemã levou à alocação de mais tropas e artilharia para o setor brasileiro, aumentando a dificuldade encontrada pela FEB.

Brasileiros próximos da fonte de Montese (que ainda existe), após o final dos combates. Foto: Arquivo Nacional/Jornalismo de Guerra

Ao todo, a artilharia brasileira disparou 21.200 tiros durante o combate de Montese. As baixas brasileiras foram significativas. Segundo Agostinho José Rodrigues no livro “O Paraná na FEB”, o 11º Regimento de Infantaria contou 12 mortos, 224 feridos e sete extraviados. O 6º Regimento de Infantaria teve 14 mortos, 131 feridos e três extraviados. O 1º Regimento de Infantaria registrou oito mortos e 22 feridos. Outras unidades somaram cinco feridos. O total de baixas brasileiras em Montese chegou a 426 homens até que a cidade fosse considerada segura.

Testemunhas oculares forneceram relatos vívidos

Joel Silveira, correspondente de guerra, entrou em Montese no dia 17, com combates ainda em andamento, e observou a impossibilidade de andar descoberto sob risco de ser atingido por balas ou estilhaços.

Mário Müller, já depois da guerra, como sargento

O tenente alemão Heinrich Boucsen mencionou que muitos de seus companheiros foram feridos em frente à cripta da cidade pelos bombardeios brasileiros, e que as tropas deixadas para trás como retaguarda conseguiram salvar material antes da chegada brasileira. Mesmo assim, centenas foram capturados.

Os autores italianos Aniceto Antilopi e Adelfo Cecchelli, no livro do livro “Dolore e libertá: fotografie della linea gótica”, documentaram o sofrimento da população civil, forçada a abandonar suas casas e escolher entre buscar refúgio com aliados ou alemães, além de terem seus suprimentos saqueados pelos ocupantes das tropas de Hitler.

O tenente José Góes Xavier de Andrade[4], da 7ª Companhia do 6º Regimento de Infantaria, descreveu um momento após o combate, quando seus homens “sentaram-se como uma família e começaram a tirar sarro um do outro sobre os feitos na batalha”, relatando fugas rápidas e desvios de balas.

Episódios individuais ilustram a realidade do combate. O Cabo Mário Müller ficou famoso por usar seu conhecimento de alemão para induzir um grupo de soldados inimigos escondidos em um porão a se render[5]. Teria dito que os brasileiros já tinham partido e quando os tedescos saíram, foram pegos com armas apontadas para o grupo.

O tenente Edson Giordano Medeiros, da Engenharia, mesmo após ferir a mão limpando minas, continuou na tarefa e ainda retornou com dezenas de prisioneiros. Questionado por um colega sobre capturar prisioneiros ser tarefa da infantaria, Medeiros respondeu: “Ser macho não é privilégio de infante[6]!”, e seguiu sorrindo.

Tenente Edson na Itália

Já o soldado Manoel Antônio Fernandes, ao ver sua seção encurralada por um atirador alemão, considerou a situação “um desaforo”. Subiu em um telhado em ruínas, mirou e abateu o atirador. Questionado sobre sua ação, respondeu com pragmatismo: “Valente nada. Aqui não tem valente. Todos procuram salvar sua pele. Se não mata, morre! (…) No front não tem macho[7]“.

Fato é que a conquista de Montese, há 80 anos, representou um passo fundamental. Após essa vitória, os brasileiros lutariam por mais 13 dias até o fim da guerra na Itália, culminando na rendição de mais de 14 mil soldados alemães em Collecchio, em 30 de abril de 1945. O combate de Montese permanece na memória como um testemunho do esforço e do sacrifício dos soldados brasileiros na luta pela liberdade na Europa.


Brasileiro dentro Montese, após o final dos combates. Foto: Arquivo Nacional/Jornalismo de Guerra

[1] ALMEIDA, Ademar Rivermar de. Montese: marco glorioso de uma trajetória. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985, p.136.

[2] Bombardeiros, caças, guerrilheiros : finale furioso na Itália : a história da 232. Divisão de Infantaria, a última divisão alemã a ser deslocada para a Itália, 1944-1945 / Heinrich Boucsein ; tradução de Roberto Rodrigues.

[3] WAACK, William. As duas faces da glória: a FEB vista pelos seus aliados e inimigos. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p.199.

[4] ANDRADE, José Góes Xavier de. et al. Depoimento dos Oficiais de Reserva sobre a FEB. 3ª ed. São Paulo: Instituto Progresso Editorial. 1950, p. 375-376.

[5] RODRIGUES, Agostinho José. Terceiro Batalhão – o Lapa Azul. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985, p.156.

[6] Idem, p.156

[7] Idem, p.180.

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